sábado, 12 de junho de 2010

En Dehors

Sobre o En Dehors

Dentre os vários movimentos possíveis na articulação femoral, um deles é a rotação externa do fêmur na fossa do acetábulo (ah, bom!). Este movimento é chamado de "en dehors" no ballet.
Para entendermos porque o bailarino trabalha nesta angulação muscular, precisamos rever um dos períodos mais criativos da história da dança, quando foram feitas grandes modificações em sua estrutura técnica e artística.
No século XVII, o centro de expansão do ballet deslocou-se da Itália para a França, e foi no reinado de Luís XIV que grandes mudanças ocorreram, impondo novas características técnicas.
Lulli, um dos bailarinos e músicos italianos trazidos para a França, tornou-se diretor da Academia Real de Música e Dança e conseguiu que em 1673 os ballets fossem apresentados no Palais Royal. Com o fato de ser encenado num palco elevado, com os espectadores situados todos na mesma face (diferente dos espaços cênicos anteriores em forma de arena), surgiu a necessidade de que os bailarinos estivessem sempre de frente para o público, mesmo quando se deslocavam de um lado para outro, pois as rígidas regras de etiqueta da época impediam que eles dessem as costas ou mesmo ficassem de lado para a nobre platéia. A solução para isso foi a rotação externa dos quadris, com os joelhos e a ponta dos pés sempre virados para fora.
Falemos agora das características do en dehors:

1) O grau de rotação externa na articulação femoral é determinado primeiramente pela estrutura óssea, e depois pelas características dos ligamentos articulares. O en dehors normal do ser humano é de 40 a 50 graus em cada uma das articulações femorais, o que soma um ângulo de 80 a 100 graus. Nos pés de um bailarino na 1ª posição, chega a atingir 180º.

2) As características femorais responsáveis pela maior ou menor amplitude deste movimento são o tamanho do colo do fêmur, o tamanho entre o colo e o corpo e o tamanho do ângulo de anteversão (a inclinação do quadril para a frente).

3) Existem muitas considerações sobre a anteversão femoral e o que quase todas elas dizem é que as alterações na angulação ocorrem desde o nascimento até os oito anos, estando o processo praticamente completo aos 10 anos e completamente definido aos 16. Isso quer dizer que o en dehors não pode ser significativamente alterado entre os 8 e 10 anos, mas que alguma melhora pode ser obtida pelo alongamento de estruturas articulares, às custas de microscópicas rupturas das fibras dos ligamentos articulares que não são elásticas. O que notamos com a prática do ballet, porém, é que muitas vezes se consegue uma melhora do grau do en dehors através do fortalecimento progressivo da musculatura responsável.

4) Durante muitos anos, se acreditava que o glúteo fosse o músculo responsável pelo en dehors. Isso gerou deformações no traçado da coluna vertebral, glúteos volumosos, coxas e quadris grandes e tensos. Ao observarmos fotos de bailarinas do passado, podemos notar que elas possuíam coxas grossas e nádegas avantajadas. Depois, aprendeu-se que seis pares de músculos localizados na quadril (os pelvitrocanterianos) são, na verdade, os responsáveis pelo en dehors.

5) Essa descoberta trouxe aos bailarinos um novo problema - como não é o glúteo que faz o en dehors, para que apertá-lo? Rodam-se as coxas para fora e pronto! Atenção! Isso gera hipertonia muscular principalmente no quadríceps (músculos da frente da coxa) e na região lombar, perda de elasticidade nos músculos hipertônicos e falta de tonicidade nos adutores. Ou seja, o bailarino passou a ter as musculaturas de fora da perna rígidas e as de dentro da coxa flácidas (gente, exatamente o que aconteceu comigo, tomem muuuuuito cuidado com isso, porque muitos professores não se dão conta disso, e quando o fazem já é tarde demais!).

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